Publicado em 03/04/2007 11:42

BorboLETRAS

Mil e uma noites haviam se passado desde que a borboleta partira. Então ela voltou. Era domingo.

Mil e uma noites haviam se passado desde que a borboleta partira. Então ela voltou.

Era domingo. A menina a viu tão logo a luz do sol fez brilhar o colorido de suas asas. A menina a esperava. Os apaixonados esperam sempre. Ah! Como foi bom matar a saudade! Saudade é fome que se mata com a presença de um corpo amado. O retorno da borboleta trouxe muitas histórias: histórias de cachoeiras, de orquídeas  e de árvores centenárias. Mas chegou o momento em que a borboleta disse: "Um novo vôo me chama. Preciso partir. É preciso partir para que o nosso amor não tenha fim".

O amor precisa de saudade para viver. A menina chorava para dentro um choro silencioso, mas compreendido. E assim o amor aconteceu entre partidas e retornos.

As asas da borboleta pareciam incansáveis. Estavam sempre a procura de lugares desconhecidos. A borboleta visitava montanhas encantadas, planícies geladas, lagos, abismos, uma cidade construída na fronteira entre a realidade e a fantasia, um reino onde era proibido ser triste. A menina não tinha asas, mas voava nas histórias que a borboleta lhe contava.

Com o passar do tempo, a borboleta envelheceu. Suas asas já não agüentavam o que o corpo carregava. Seus sonhos eram maiores que seu corpo e assim, um desejo novo surgiu do seu coração crepuscular: voltar.

Vênus, o sol, brilhava no horizonte. Foi então que a menina ouviu algo que nunca lhe dissera a borboleta: "Menina, conte-me as histórias de minha ausência".

E foi assim que pela primeira vez, a borboleta  se calou e a menina lhe contou que dentro do silêncio  existem histórias, histórias de amor e dor.
Por muitos dias a borboleta e a menina gozaram de seu amor. Mas a borboleta já não era a mesma. Algo acontecera com os seus olhos. Eles olhavam as coisas simples que sempre a cercava, mas que ela nunca havia visto. A borboleta não exergava com o coração, porque o seu coração estava sempre em outro lugar, nas viagens. É o coração que nos diz o que é para ser visto.

Aconteceu então, num dia, a borboleta pousada no ombro da menina sentiu algo que nunca sentira.

- Menina, o que isso? A borboleta perguntou.

A menina respondeu: "Asas, pequenas asas... Estão crescendo nas minhas costas".

A borboleta percebeu que a menina se preparava para voar. Sua menina se transformava também numa borboleta, recém-saída do casulo.

A  borboleta sorriu uma mistura de sorriso de tristeza e alegria. A menina pela primeira vez dissera: "Eu quero partir".
Chegara a hora em que a menina partiria e a borboleta ficaria. Como é dolorido ficar.

Quem fica, fica num espaço vazio, de objetos velhos, esperando, contando os dias.
O momento da despedida chegou. A menina flutuou. A borboleta com vontade de chorar queria dizer: "Não vá". Eu a amo tanto".

Mas não disse, lembrou-se que essas foram palavras que a menina lhe disse quando partiu pela primeira vez. A borboleta temia pela menina. Asas frágeis podem se quebrar à toa. A borboleta queria estar junto para consola-la, dizer que a amava nos momentos mais difíceis. Mas não fez gesto algum. A borboleta sabia que abraços que não se abrem são mortais para o amor.

A borboleta voou como se fosse beijá-la. Mas não beijou. Apenas soprou suas asas: "Voa minha linda borboleta", ela disse se despedindo. A menina voou e desapareceu na distância. Então, ao olhar de novo para si, a borboleta não se reconheceu. Já não era uma borboleta de asas coloridas. Transformou-se num menino. Um menino que não sabia voar. Um menino que esperava a volta de sua borboleta encantada.

Então ele voaria nas asas das estórias que ela haveria de lhe contar ao voltar...  Para ele.

Gleidson Oliveira

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