Publicado em 26/01/2007 14:27

País de Alice

Um dos resultados formidáveis da eleição foi a salada das coligações e coalizões.

Depois de levar um susto no primeiro round, quando seu adversário imediato abocanhou 40  dos votos, Luiz Inácio  Lula da Silva ganhou fácil o segundo turno das eleições. Há uma gama variada de interpretações para a retumbante vitória. A mais óbvia acentua a influência do Programa Bolsa Família, que teria garantido uma maciça votação pelos estratos mais pobres da sociedade. Tanto que, no Nordeste, região que recebe o maior contingente da assistência do Bolsa Família, Lula ultrapassou os 70 em quase todos os municípios.

E mais complicado explicar é por que Geraldo Alckmin teve tantos votos no primeiro turno. E por que perdeu uns 2 milhões de votos do primeiro para o segundo. A interpretação majoritária sustenta que o tucano foi o opositor  ideal para Lula: pouco conhecido fora de São Paulo, com cara de paulista,  jeito de paulista e fama de paulista, o que fora de São Paulo  é um handicap. Para completar, Alckmin não tinha nenhuma mensagem e foi muito mal na campanha televisiva. Outra interpretação corrente, assumida pelo próprio Lula e por jornais do exterior, é que o Brasil eleitoral se dividiu entre ricos e pobres, e pobres venceram. Seria ótimo, se fosse plausível, que os 40 de votos de Alckmin foram dos "ricos", e que a votação de Lula foi exclusivamente dos "pobres".

Um dos resultados formidáveis da eleição, incluindo os pleitos para os estados e a renovação do Congresso, foi a salada das coligações e coalizões. Siglas de suposta orientação ideológica oposta se uniram, indiscriminadamente, com toda espécie de agrupamentos, incluindo os de  salteadores. Traições abertas às próprias hostes foram a regra. O governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, por exemplo, além de ser o maior sojicultor do mundo, é membro do PPS, Partido Popular Socialista, sigla herdeira do antigo Partido Comunista Brasileiro. Ele apoiou Lula abertamente - enquanto seu partido fazia campanha para Geraldo Alckmin. Essa falta de consistência confirma a irrelevância da política partidária no capitalismo contemporâneo. Irrelevância que é mais grave na periferia do que no centro. Os partidos representam pouco, e a política está centrada, sobretudo nas personalidades. Sempre foi assim na tradição brasileira, mas, depois da criação dos partidos de massa - vale dizer, depois da criação do PT -, houve um período de forte valorização dos partidos.

O Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), metamorfose do antigo partido de oposição à ditadura militar no período 1964-1984, fez a maior bancada na Câmara. O PMDB  é, tipicamente, um partido de caciques regionais. Ele não tem sequer unidade programática. Dessa vez, o que é importante como símbolo, não teve candidato à Presidência, seja em coligação com o PT, seja com o PSDB. O Partido da Frente Liberal (PFL) foi derrotado fragorosamente na Bahia e no Maranhão, e ainda assim formou a maior bancada no Senado.

O Partido dos Trabalhadores (PT) manteve-se com a segunda maior bancada da Câmara Federal, tendo tido, pela primeira vez, uma diminuição no número de seus deputados. Fez apenas quatro governadores, sendo a Bahia o único estado importante, politicamente, até porque derrotou um coronel pefelista tido como imbatível, Antônio Carlos Magalhães. Lula distanciou-se ostensivamente do PT. Somente recorreu ao partido, e a sotores de esquerda fora do PT, no segundo turno, quando viu sua reeleição ameaçada. Proclamado os resultados, logo fechou um acordo com o PMDB para, juntos, dominarem a Câmara dos Deputados e o Senado.

O ceticismo é geral quanto ao segundo mandato. Ninguém, à direita e à esquerda, espera grandes alterações nas políticas governamentais. Afora a continuidade do Bolsa Família, e a manutenção do conservadorismo na política econômica, o presidente parece ter perdido inteiramente o rumo. O desnorteio mostra uma das conseqüências de sua vitória, nas proporções em que ocorreu: Lula não tem objetivos porque não tem inimigos de classe. Alguns, poucos, que vocalizaram a esperança de mudanças na política econômica, foram imediatamente repreendidos pelo próprio presidente reeleito - caso de Tarso Genro, ministro da Relações Institucionais, tido como o ideólogo do governo, e Dilma Roussew a poderosa chefe da Casa Civil, considerada o motor do Executivo. Eles estavam entre os mudancistas, e foram logo calados. Alice precisa voltar a seu país; tudo está de ponta cabeça.

Gleidson Oliveira

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