Publicado em 18/09/2008 11:28

Vista cansada

O colunista do jornal  A Folha de S. Paulo, Otto Lara Rezende, acha que foi o escritor Ernest Hemingway quem disse que olhava cada coisa a sua volta como se visse pela última vez (ou foi pela primeira vez?).

Luciano  Silva Roriz
Professor universitário
    

    O colunista do jornal  A Folha de S. Paulo, Otto Lara Rezende, acha que foi o escritor Ernest Hemingway quem disse que olhava cada coisa a sua volta como se visse pela última vez (ou foi pela primeira vez?). Mas essa idéia de olhar as coisas pela última vez tem algo de deprimente. Olhar de despedida de quem não crê que a vida continua...
Se eu morrrer, morre comigo um certo modo de ver, disse um poeta. Um poeta é isso: uma maneira de ver o mundo, “lendo” as pessoas, sim porque na verdade somos um texto - vivemos e lemos o tempo todo mesmo sem nos darmos conta. O diabo é que de tanto a gente ver acaba não vendo, banaliza o olhar. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cega, o que nos é familiar,  já não desperta a curiosidade. O campo visual que imprimimos em nossa rotina acaba por torná-lo vazio.

    Pense: você sai todo dia de casa, sempre pela mesma porta, e se alguém te perguntar o que você vê pelo caminho, você com certeza não saberá responder. Daí de tanto a gente ver, a gente não vê. Um bom exemplo disso é o caso de um profissional que passou 32 anos pelo hall do prédio de seu escritório. Lá estava sempre pontualíssimo, aquele mesmo porteiro. Dava-lhe bom dia e às vezes lhe passava um rápido recado ou correspondência. Entretanto, num certo dia o porteiro cometeu a “descortesia” de faltar  - faleceu.
Como era ele? Sua cara? Sua voz? Como se vestia? não fazia a mínima idéia. Em 32 anos nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer. Se um dia no seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo aquele rito diário,  pode ser também que ninguém desse por conta de sua ausência. O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver: gente coisas, bichos. E vemos? Não, não vemos.

    A criança é a nossa grande referência: muitas vezes vê o que o adulto não vê. Ela tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de fato, ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe às pampas. Assim nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos ficam. E é por aí que se instala  o monstro da indiferença.





Imagen: Google
Fonte:

Sader Calil - Jornal O Goianão
sadercalil@uol.com.br
(062)3511-2076
Curso Superior em Jornalismo pela Universidade Federal de Goiás
Jornalista reconhecido regionalmente por seu trabalho executado em Inhumas e região através do Jornal Goianão.
Sr. Sader é também professor aposentado da rede pública de ensino.

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