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A política, antigamente, era mais verdadeira. Os partidos não tinham os nomes cheios de letras...
Acho que a política, antigamente, era mais verdadeira. Os partidos não tinham os nomes cheios de letras, como os de agora. Se tinham, ninguém ligava. O que valia era os nomes que o povo lhes dava. Em Quirinópolis, onde trabalhei, os partidos eram dois: os ratos e os gatos.
Não era preciso dizer mais nada. Todo mundo compreendia o jogo político. Cada partido queria se sobrepor o outro. Gato quer comer rato. Rato quer ser isca para cachorro pegar gato. Em Inhumas essa briga-festa era marcada por foguetes, provocações, passeatas, pinga-fogo, quartéis.
O que fazia uma pessoa ser de um partido ou de outro? Não era ideologia. Ideologia é o conjunto de idéias que dizem o que o partido vai fazer, se ganhar o poder. Ninguém pensava nisso. Ninguém brigava por idéias. A graça estava na guerra, muito embora não se pensasse no "para que" da guerra. Era igual torcida de futebol.
Sempre me pergunto: o que faz com que uma pessoa seja torcedor de um time e não de outro? Será que essa pessoa, antes de pôr suas emoções num time, faz um estudo de todos os times, para analisar os seus estilos, a classe dos seus jogadores, a honestidade dos seus dirigentes - para só então tomar a sua decisão? Não. Não há razões objetivas para se torcer por um time. Então, que faz com que uma pessoa fique tão perdidamente apaixonado por um time? O que leva a essa paixão? Sei lá... Sei que não é por causa dos jogadores porque os jogadores são mercenários, não são torcedores do time em que jogam. Jogam porque são pagos e se outro time pagar melhor ele vai mudar de time. Também não é por causa dos cartolas, freqüentemente envolvidos em falcatruas. O tipo físico dos cartolas, inclusive, nada tem a ver com o tipo físico dos jogadores. A torcida se constituiu em torno de um nome, o nome do time. Torce-se por um nome e por uma camisa. E por causa desse nome e dessa camisa cometem-se os assassinatos mais estúpidos. Um torcedor vestido com a camisa de um time adversário é um inimigo que merece apanhar até morrer. Assassina-se por uma camisa.
Assim era também a política. Era? Era. Só que agora, ao invés de nomes de bichos como ratos, gambás, tatus, macacos, porcos-espinho, cobras, os nomes se encheram de letras cujo sentido poucas pessoas sabem. Na verdade cada letra vale por uma idéia, mas a idéia, com o passar do tempo, foi mumificada e ninguém pensa mais nela.
O que distingue os partidos? Quais são os seus ideários? É difícil deduzir, por aquilo que os políticos falam. Todos dizem a mesma coisa. Todos prometem mais empregos, mais crescimento econômico, mais segurança, mais educação. Se, vez por outra, celebram-se alianças, não é por convergências ideológicas, mas por conveniências eleitorais. Cada eleição é um grande "Campeonato Brasileiro" em que cada time quer ganhar a taça. Quem ganha uma taça se assenta no poder, até que venha o novo campeonato.
O que leva uma pessoa a se ligar a um partido? Há aqueles que dizem que não lhes interessa o partido, mas a pessoa. Isso equivale a dizer que não torce por um time, mas por um jogador. O que é meio esquisito porque o jogador só pode fazer gol se estiver jogando num time. Os políticos trocam de partido como os jogadores trocam de time. Mas, diferentes dos jogadores que não têm como furtar-se ao teste anti-dopping, os políticos saem de campo e demitem-se quando têm de submeter-se ao teste anti-corrupção.
Mas o fato é que há, na política, políticos que não são políticos, não torcem pelo time em que jogam. Se o árbitro apita impedimento do atacante adversário que fez o gol, ele vai ao juiz e diz que o atacante não estava impedido. Eles não agem em função dos interesses dos partidos, senão em obediência àquilo que consideram ser a verdade e o bem comum. Parecem-se mais com profetas solitários, vozes que clamam no deserto. Sua vida política é curta. Por isso eu os admiro.
O referendo sobre o desarmamento foi impressionante por duas razões. A primeira delas pela primeira vez ocorreu uma votação em torno de uma idéia e não em torno de símbolos partidários. Não houve candidatos. Não havia partido. A segunda razão: impressiona a paixão que a questão das armas provocou no povo.
A socieade se constrói sobre proibições. É proibido pisar na grama, é proibido guiar pelo acostamento, é proibido dar cheques sem fundos, é proibido roubar, é proibido matar. Uma sociedade sem proibições seria um caos. A proibição é o pré-requisito para que se configure o crime. Numa sociedade sem proibições não há crimes. Outros argumentavam a necessidade que os cidadãos tinham de armar para se defender dos bandidos. Besteira. Os bandidos são mais rápidos, atiram primeiro.
Todo mundo critica o povo por sua apatia diante dos problemas do país. Mas a apatia surge do sentimento de impotência. A corrupção é tão grande que deixa de nos provocar indignação. Face aos horrores da nossa vida política somos tomados pela convicção de nada poder ser feito. Talvez o que venha a despertar o povo de sua indiferença seja a não obrigatoriedade em ter de votar nos jogadores que irão constituir os times partidários.
Gleidson Oliveira
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